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Geral Quarta-feira, 01 de Novembro de 2023, 14:24 - A | A

01 de Novembro de 2023, 14h:24 A- A+

Geral / USO DE PESTICIDAS

Aumento de morte de crianças por leucemia é associada à expansão da soja no Brasil

O estudo conduzido por pesquisadores norte-americanos liderados por Marin Skidmore, indica uma correlação entre a expansão das áreas de cultivo de soja e o uso intensivo de agrotóxicos com um aumento nas mortes de crianças

PAULA VALÉRIA
DA REDAÇÃO

A associação entre o aumento de casos de leucemia infantil no Brasil e a expansão do cultivo de soja, bem como o aumento do uso de pesticidas nas plantações, é um assunto sério e preocupante. O estudo conduzido por pesquisadores norte-americanos liderados por Marin Skidmore, da Universidade de Illinois, indica uma correlação entre a expansão das áreas de cultivo de soja e o uso intensivo de agrotóxicos com um aumento nas mortes de crianças com menos de 10 anos relacionadas indiretamente ao uso desses pesticidas.

Esse estudo pode contribuir para a discussão sobre a regulamentação e o uso de agrotóxicos no Brasil, especialmente considerando o projeto de lei em discussão no Congresso que visa flexibilizar o acesso a essas substâncias. A segurança alimentar e a proteção do meio ambiente devem ser equilibradas com a necessidade de produzir alimentos em quantidade suficiente para atender a demanda da população, evitando ao máximo os riscos à saúde humana e ao meio ambiente.

O grupo de pesquisadores aponta no artigo que a área de soja no Cerrado triplicou de 5 milhões de hectares para 15 milhões de hectares entre 2000 e 2019. Na Amazônia, cresceu 20 vezes: de 0,25 milhão para 5 milhões de hectares. Já o uso de pesticidas nessas duas regiões – que foram as analisadas no trabalho – cresceu entre 3 e 10 vezes no mesmo período.

Os números apresentados no estudo, como o aumento significativo das áreas de cultivo de soja no Cerrado e na Amazônia, bem como o aumento do uso de pesticidas nessas regiões, são fatores alarmantes. Eles encontraram pelo menos 123 mortes adicionais de crianças com menos de 10 anos entre 2008 e 2019 relacionadas indiretamente ao uso de pesticidas no cultivo de soja nas duas regiões citadas.

O trabalho fez uma análise populacional, considerando 15 anos de dados de saúde, cruzando informações de câncer infantil com o avanço da soja pelos dois biomas. 

Este aumento, revelam, se refletiu nos casos da doença. De acordo com os cálculos dos cientistas, a cada 10 pontos percentuais de aumento na produção de soja, houve 4 mortes adicionais de crianças de menos de 5 anos e de 2,1 abaixo de 10 anos por 100 mil habitantes.

“Os resultados sugerem que cerca de metade das mortes pediátricas por leucemia no período podem ser ligadas à intensificação agrícola da soja e à exposição aos pesticidas”, afirmou Skidmore em comunicado à imprensa. O trabalho foi publicado na revista  Proceedings of the National Academy of Sciences 

Os cientistas informaram que o contato com os produtos químicos, como os pesticidas, pode ter ocorrido por meio do fornecimento de água, especialmente em localidades onde a produção de soja está montante (rio acima) na bacia hidrográfica. Isso sugere uma possível rota de exposição das comunidades à jusante (rio abaixo) a esses pesticidas.

“Isso indica que o escoamento de pesticidas para as águas superficiais é um método provável de exposição”, explicou Skidmore.

O escoamento de pesticidas para as águas superficiais é uma preocupação ambiental séria, pois pode contaminar fontes de água potável, rios e ecossistemas aquáticos, colocando em risco a saúde humana e a biodiversidade. A exposição a esses produtos químicos pode ocorrer por meio do consumo de água contaminada ou pela absorção de pesticidas através da pele, inalação de partículas em suspensão no ar ou ingestão de alimentos cultivados em áreas contaminadas.

As crianças que desenvolveram leucemia não moravam necessariamente nas áreas onde se dá a produção da soja – o que revela o amplo alcance dos pesticidas. Skidmore aponta que a área rural da região avaliada no trabalho tinha, de acordo com dados de 2006, cerca de 50% das casas com poços ou cisternas, mas a outra metade dependia do escoamento na superfície como fonte de água. “Se a água na superfície está acostumada, os pesticidas usados rio acima podem alcançar as crianças rio abaixo”, disse.

Os dados apresentados no artigo revelam uma situação alarmante no Brasil em relação à produção de soja e ao uso de agrotóxicos. O país se tornou líder mundial na produção de soja, mas, ao mesmo tempo, também lidera o consumo de pesticidas perigosos por hectare. A comparação com os Estados Unidos e a China, que são grandes produtores e consumidores de agrotóxicos, destaca que o Brasil aplica uma quantidade significativamente maior de pesticidas por unidade de área.

Segundo a análise, no Brasil é aplicado, por hectare, 2,3 vezes mais pesticidas que os Estados Unidos e 3 vezes mais que a China, que são o primeiro e o terceiro colocado em volume total de agrotóxicos. O estudo relata ainda que o uso no cultivo de soja cresceu após a aprovação, em 2004, de variantes transgênicas do grão.

Um fator capaz de amenizar a mortalidade foi a presença de hospitais próximos às áreas de contaminação. De acordo com a pesquisa, as mortes de crianças por leucemia relacionadas com a expansão da soja se deram em regiões que ficavam a mais de 100 quilômetros de um centro de tratamento.

A doença é tratável, mas depende de um atendimento oncológico especializado, o que não é amplamente oferecido no interior do Brasil, em especial na Amazônia, por exemplo.

“Nós certamente não estamos advogando por uma interrupção total do uso dos pesticidas”, diz a pesquisadora, reconhecendo que tiveram uma importância para a expansão da produção de soja. “São tecnologias importantes e válidas, mas precisam ser adotadas com segurança. [Os resultados] são um forte aviso de que o uso seguro de pesticidas é o melhor tanto para a produtividade agrícola quanto para as comunidades”, conclui a pesquisadora Skidmore.

 

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