GABRIELA FEITOSA
G1
Logo na entrada da cidade de Redenção, interior do Ceará, está ela: de joelhos, nua, com seios à mostra, uma mulher negra eleva as mãos ao alto no que parece ser uma celebração à liberdade. Ao lado dela, uma corrente de ferro termina de compor o painel 'Negra Nua', instalado em 1968 pelo artista plástico Eduardo Pamplona.
A imagem não está lá por acaso. Redenção, município localizado a cerca de 55 quilômetros de Fortaleza, foi a primeira cidade do Ceará e do Brasil a abolir a escravidão, em 1º de janeiro de 1883. Um ano depois, em 25 de março de 1884, era a vez do estado do Ceará, que até hoje é lembrado como a "Terra da Luz".
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Embora pioneira, a cidade vive hoje o resultado de anos de escravização - de acordo com especialistas ouvidos pelo g1 - o que pode ser sentido em âmbitos como educação, desenvolvimento humano e mais. No entanto, entre os desafios históricos e atuais, a juventude do município e do Ceará encontra novas saída, inclusive na arte.
???? Neste 25 de março, o Ceará celebra a Data Magna, que marca a abolição dos escravizados no estado, ocorrida em 1884. Conheça abaixo a história de Redenção, primeira cidade do país a realizar a alforria.
Antes de ser Redenção, a região fundada em 1868 era denominada 'Vila de Acarape' e pertencia à província de Baturité. O novo nome surgiu após a cidade se destacar no cenário nacional pelo pioneirismo no processo de abolição da escravatura.
Em 1° de janeiro de 1883, a cidade alforriou 116 escravizados que estavam sob o regime e, desde então, esse fato é lembrado de diversas formas, inclusive em monumentos históricos da cidade.
Vamos passear por alguns deles?
- Os primeiros monumentos construídos para representar o marco da abolição foram o Busto da Princesa Isabel e o Obelisco, que ficam na Praça da Liberdade. Ambos foram feitos em 1933 para celebrar o cinquentenário da abolição.
- Em 28 de dezembro de 1968 foi construído pelo artista plástico Eduardo Pamplona o painel “Negra Nua”. O nome dado ao monumento pelo artista foi 'A Escrava', mas a população da cidade decidiu não usá-lo.
- Outro destaque é a estátua de Vicente Mulato, localizada na praça da igreja matriz de Redenção. Construída em 2008 por Francisco Mendes Necreto, a história conta que onde a estátua foi colocada era onde ocorriam os processos de compra e venda de escravizados. Vicente foi o último escravizado da vila a ser alforriado.
O pioneirismo de Redenção e do Ceará é, sem dúvida, um marco significativo na história do Brasil, um dos últimos países a libertar seus escravizados, em 1888. Até hoje, no entanto, a nação lida com as desigualdades provocadas por esse sistema.
Além disso, ainda segundo especialistas consultados pelo g1, o protagonismo e a resistência dos negros são frequentemente esquecidos nesse debate, como se a liberdade tivesse chegado de presente, vinda do céu. Isso lembra alguma coisa?
Voltando ao monumento 'Negra Nua'. Você já reparou que boa parte de nossa memória sobre a história afro-brasileira envolve imagens de dor e sofrimento? A senzala, as correntes, o tronco… Quando não isso, a memória vem de forma ‘sexualizada’, como aponta Larissa Gabarra, professora/doutora de História da Unilab:
"A imagem da Negra Nua, por exemplo, é uma afronta do paternalismo. Por que aquela mulher nua naquela posição agachada? Já diz muito sobre essa sociedade que projeta a mulher como alguém submissa, como alguém que não tem um papel ativo, tem um papel passivo. Ali é interessante que ela está olhando para o céu com esse olhar de agradecimento às correntes rompidas, e aí você entra na ideia de passividade dos escravizados. É como se os escravizados não reagissem àquela situação".
Para a historiadora, a "lembrança pela dor" é um fenômeno presente em diversos museus brasileiros e que pode corroborar com a ideia de uma "história universal".
Ou seja: quando crescemos, aprendemos na escola como alguns momentos históricos aconteceram, certo? No Brasil, a escravidão é um capítulo importante. E geralmente aprendemos que negros e negras foram trazidos do continente africano para cá e passaram a ser escravizados. Ponto. Não sabemos exatamente quem eram essas pessoas antes de aqui chegarem, não sabemos com o que elas trabalhavam, como era sua cultura.