PAULA VALÉRIA
DA REDAÇÃO
Entre os dia 24 e 25 de julho, em Diamantino, no Mato Grosso, cerca de 60 lideranças indígenas de 20 povos se reuniram durante o evento da 58º Assembleia dos Caciques e Lideranças Indígenas do Brasil em celebração de 50 anos da primeira Assembleia de Chefes Indígenas. Durante o evento, as lideranças repudiaram a Lei 14.701/2023 e a mesa de conciliação proposta pelo ministro Gilmar Mendes, reafirmando a defesa de seus direitos e rejeitando o marco temporal para demarcação de terras indígenas.
Em meio às atividades e discussões em memória da Assembleia realizada cinquenta anos atrás, os indígenas também debateram os desafios presentes e decidiram elaborar uma carta em repúdio à Lei 14.701/2023. Promulgada em dezembro do ano passado pelo Congresso Nacional, a lei instituiu o marco temporal – à revelia da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em setembro do mesmo ano, determinou a inconstitucionalidade da tese anti-indígena.
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A carta, redigida de forma autônoma pelos indígenas presentes na reunião, foi elaborada durante momentos em que eles pediram aos missionários e não indígenas que se retirassem, permitindo-lhes debater entre si. O documento também expressa repúdio à postura do ministro Gilmar Mendes, relator das ações que questionam a constitucionalidade da Lei. Em abril deste ano, o ministro, natural de Diamantino, cidade onde foi realizada a primeira Assembleia de Chefes Indígenas e onde sua família possuía uma grande fazenda, determinou a realização de uma “mesa de conciliação” sobre a lei. A primeira reunião está marcada para o dia 5 de agosto.
"Repudiamos o posicionamento do ministro Gilmar Mendes, por não reconhecer de ofício a inconstitucionalidade da lei 14.701 de 2023, pois o próprio STF julgou contra a tese do marco temporal. Exigimos que o STF, por meio do ministro relator, julgue pela nulidade desta lei na sua íntegra. Informamos que nós, povos indígenas do Mato Grosso e de todo o Brasil, não reconhecemos a validade desta lei e iremos tomar todas as medidas necessárias para se fazer garantir e respeitar os nossos direitos originários”, diz a carta.
Participaram da Assembleia representantes dos povos do estado de Mato Grosso Bakairi, Kayabi, Rikbaktsa, Apyaka, Iny/Karaja, Myky, Chiquitano, Pareci, Xavante, Bororo, Umutina, Terena e Irantxe. Somaram-se a eles, lideranças Macuxi (RR), Tupinambá (BA), Kaingang (RS), Kassupa (RO), Huni Kuî (AC), Guajajara (MA), Kanela Memortumré (MA).
Confira o documento na íntegra abaixo:
Cinquentenário da 1ª Assembleia de Chefes Indígenas do Brasil
58ª ASSEMBLEIA DOS CACIQUES E LIDERANÇAS INDÍGENAS DO BRASIL
À Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB
À Fundação Nacional dos Povos Indígenas – FUNAI
Ao Ministério dos Povos Indígenas – MPI
À Frente Parlamentar em defesa dos povos indígenas – FPDPI
À 6ª Câmara – Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais
Ao Supremo Tribunal Federal – STF
Nós, Lideranças Indígenas, reunidos na 50ª Assembleia dos caciques e Lideranças indígenas, realizado no período de 24 a 26 de julho do ano de 2024, no seminário “Jesus o Bom Pastor”, na cidade de Diamantino-MT, celebrando a memória aos chefes indígenas que há 50 anos se reuniram na primeira assembleia no ano de 1974, onde conquistamos através das lutas dos povos indígenas e organizações indigenistas, que com união, organização e articulação culminaram na inclusão dos artigos 231 e 232 na Constituição Federal de 1988. Nós compreendemos que os territórios indígenas constituem cláusula pétrea, portanto, inegociáveis, inalienáveis e imprescritíveis, não podem ser retirados e modificados na Carta Magna. São mais de 500 anos de luta e resistência contra todos os tipos de violações aos nossos direitos e usurpação dos nossos territórios. Repudiamos veementemente a Lei 14.701 de 2023, aprovada pelo Congresso Nacional.
A citada lei encontra-se em processo de conciliação instaurada pelo Ministro Gilmar Mendes, previsto para iniciar no dia 5 de agosto e terminar no dia 18 de dezembro deste ano. A Lei 14.701 de 2023, aprovada pelo Congresso Nacional FERE NOSSOS DIREITOS JÁ GARANTIDOS na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, fere, ainda, a convenção 169 da OIT, em que o Estado Brasileiro é signatário, e que garante a nós indígenas o direito a Consulta livre, prévia e informada sobre quaisquer empreendimentos em nossos territórios. Retrocede o direito no processo demarcatório, desconsiderando o direito originário sobre nossos territórios tradicionais, o direito do usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nela existentes, bem como todos os direitos previstos no artigo 231 da Constituição Federal. Além de potencializar as violências ocorridas nos territórios, como invasões, mineração, instalação de hidrelétricas, retirada de madeira ilegal, garimpo ilegal, ou seja, todos os tipos e formas de explorações ilegais e violações de nossos direitos dentro dos nossos territórios.
DIANTE DISSO, REPUDIAMOS O POSICIONAMENTO DO MINISTRO GILMAR MENDES, POR NÃO RECONHECER DE OFÍCIO A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI 14.701 DE 2023, POIS O PRÓPRIO STF JULGOU CONTRA A TESE DO MARCO TEMPORAL. EXIGIMOS QUE O SUPERIOR TRIBUNAL FEDERAL – STF, POR MEIO DO MINISTRO RELATOR JULGUE PELA NULIDADE DESTA LEI NA SUA ÍNTEGRA. INFORMAMOS QUE NÓS POVOS INDÍGENAS DO MATO GROSSO E DE TODO O BRASIL NÃO RECONHECEMOS A VALIDADE DESTA LEI E IREMOS TOMAR TODAS AS MEDIDAS NECESSÁRIAS PARA SE FAZER GARANTIR E RESPEITAR OS NOSSOS DIREITOS ORIGINÁRIOS.
Diamantino, Mato Grosso
26 de julho de 2024