ELISA RIBEIRO
DA REDAÇÃO
Os trabalhadores de segurança pública (policiais, bombeiros e agentes penitenciários) e da saúde (médicos, enfermeiros e técnicos) estão expostos a condições de trabalho particularmente estressantes, que podem gerar sofrimento mental e, em casos extremos, levá-los ao suicídio.
No segundo dia do Seminário Nacional de Prevenção ao Suicídio e Trabalho, especialistas, que participaram do bloco “Sofrimento mental e vulnerabilidades entre trabalhadores da segurança pública” e “Sofrimento mental e vulnerabilidades entre trabalhadores da saúde” , informaram que um ambiente de estresse constante pode evoluir para quadros de depressão, ansiedade e burnout.
Salientam ainda que com o tempo, sem uma intervenção adequada, a sensação de esgotamento emocional e de impotência pode levar ao suicídio. Esse é um problema grave entre essas categorias profissionais, pois muitas vezes o acesso a meios letais, como armas, por exemplo, no caso de policiais, facilita a concretização de pensamentos suicidas.
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Confronto com a violência e a morte
Os trabalhadores da segurança pública lidam com situações de risco de vida, violência extrema e morte de colegas, enquanto os profissionais da saúde enfrentam situações de morte frequente e o sofrimento dos pacientes, o que pode gerar desgaste emocional profundo.
A tecnologista da Fundacentro, Maria Christina Felix, participa da primeira temática e diz que é extremamente importante que existam políticas públicas que abordem a saúde mental dos agentes de segurança pública, incluindo a formação em saúde mental e a criação de protocolos de intervenção. Concluindo, a promoção da saúde mental dos trabalhadores de segurança pública é essencial não só para o bem-estar desses profissionais, mas também para a eficácia do trabalho que realizam na proteção da sociedade.
Para ela, esses desafios devem ser enfrentados através de programas de capacitação. “O apoio psicológico reduz o estigma e pode contribuir para um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo”, finaliza.
Dados coletados referentes aos agentes de segurança
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024 revelou um aumento alarmante nas ocorrências de suicídio, especialmente nos estados de São Paulo (80%) e Rio de Janeiro (116,7%), conforme os dados coletados das polícias civil e militar. Nos casos de falecimentos de policiais militares, a situação se torna ainda mais preocupante nos estados do Acre, Amapá, Ceará, Mato Grosso, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Em 2023, houve mais policiais militares mortos por suicídio do que por conflitos durante o descanso ou no serviço.
A coordenadora de segurança pública e saúde do trabalhador, Meire Cristina de Souza, do Instituto de Pesquisa, Prevenção e Estudos em Suicídio - Ippes, salienta que devido às demandas emocionais e psicológicas enfrentadas por profissionais de segurança na sua rotina de trabalho, esses agentes frequentemente lidam com situações de alto risco, violência e trauma que levam aos altos níveis de estresse.
“O contato constante com situações de conflito e a pressão em atividade de risco aumentam a probabilidade de desenvolver transtornos mentais, como o transtorno de estresse pós-traumático. Entre 2015 e 2022, 12.584, entre policiais civis e militares no Brasil, foram acometidos com uma patologia da saúde mental: ansiedade 5.289, depressão 4.735 e síndrome do pânico 3.576”, frisa.
“Também tivemos fontes extraoficiais que conduzimos nessa etapa do trabalho através de monitoramento jornalístico e de ocorrências registradas pelas instituições. No Instituto de Pesquisa - IPPes , possuímos um grupo de WhatsApp que conta com a participação de vários representantes interessados para garantir que esses dados sejam, de alguma maneira, observados de uma forma ou de outra e transmitidos a esse grupo, as situações atuais e os registros mantidos pelas instituições de tentativas e suicídios. Bom, como eu disse, 821 desses profissionais de segurança tiraram a própria vida nos últimos seis anos, de 2018 a 2023”, explica Meire.
Nesse cenário, a coordenadora informa que 57% são policiais militares; 19% policiais civis e profissionais das perícias técnicas; 13% policiais criminais, 4% bombeiros militares, 4% profissionais de forças federais, 3% guardas municipais das capitais. “É muito alarmante, ainda que tivéssemos apenas uma vida, isso já seria um grande impacto”, exalta.
Profissionais inativos
A coordenadora de segurança destaca que 226 profissionais inativos da segurança pública, no mesmo período (2018 a 2023), também morreram por suicídio. Tivemos 15% dos bombeiros militares, 10% de policiais civis e profissionais das perícias técnicas e 85% de policiais militares inativos.
Entre as características sociodemográficas das vítimas de suicídio da ativa, 86% são do sexo masculino, 27% têm entre 30 e 39 anos e 21% entre 11 e 20 anos de serviço. “84% dos casos analisados em 2023 foram cometidos com arma de fogo, instrumento de trabalho utilizados por esses trabalhadores. E são notáveis os homicídios, os feminicídios seguidos de suicídios. 88 casos foram recebidos de fontes extraoficiais, 62 casos de fontes oficiais. E 81% das vítimas de homicídios/feminicídios mantinham algum vínculo íntimo com a vítima do suicídio. 108 vítimas de homicídios/feminicídios, 24% homens, 76% mulheres. Nesse cenário, em 14 casos de homicídio/feminicídio seguido de suicídio em pelo menos três, as vítimas possuíam medidas protetivas. Aqui trazemos um pouco mais de significado para alguns pontos da investigação, justamente para poder refletir em tantos outros cenários envolvidos nesta realidade”, explica Souza.
Esse estudo foi coordenado pelo Ippes, em parceria com o governo do estado e do Ministério Público do Trabalho – MPT e outros assuntos da apresentação da especialista estão disponíveis no canal da Fundacentro no Youtube .
Programa de assistência ampla
O estigma associado a demonstrar vulnerabilidade emocional, particularmente em profissões como a de segurança pública, faz com que muitos profissionais evitem buscar ajuda. “A sensação de estar isolado e a ideia de que devem ser “fortes”, o mito do herói, para cumprir suas funções agrava o problema”, salienta a procuradora do Ministério Público do Trabalho – MPT, Cynthia Maria Simões Lopes. A procuradora retrata que ela e a especialista Samira Shaat desenvolveram um programa de assistência ampla, integrada à saúde mental e valorização dos agentes de segurança pública do Rio de Janeiro.
“A coordenadora Meire trouxe dados e a situação apresentada, nós duas pensamos em desenvolver um programa baseado nas situações que se apresentavam de forma tão grave e não sabíamos naquele momento como iríamos começar a agir. Quando falamos de Ministério Público em geral, ou seja, de trabalho federal ou estadual, sempre há esse histórico de investigação, mas esse cenário não impunha uma investigação, mas sim a construção de um programa que possamos desenvolver para apoiar efetivamente essa classe de trabalhadores que tanto sofreram e continuam a sofrer”, enaltece Cynthia.
A procuradora destaca os aspectos de produção e sistematização de dados na produção do Boletim de Mortes Violentas Intencionais na Segurança Pública no Brasil, a implementação do Programa Segurança Que Previne nas Corporações de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, e os três eixos de atuação.
Na sequência, José Ferdinando Ramos Ferreira, pesquisador do Observatório de Segurança Pública da Universidade de Campinas – Unicamp, fez sua apresentação. “Em 2023, foram registrados 110 policiais militares mortos, além de oito policiais civis. No estado de São Paulo, os casos de suicídio representaram 28,2% do total, sendo que um em cada quatro vítimas era policial militar. O estado também apresentou um aumento de 80% nos homicídios em comparação a 2022. Outro ponto importante é a taxa de suicídio na população brasileira, que é de 0,07% por 100 mil habitantes, enquanto entre os policiais essa taxa é de 0,3% por 100 mil. Isso significa que, proporcionalmente, os suicídios entre policiais são quatro vezes mais frequentes do que no restante da sociedade”, informa.
O que temos observado é que os fatores relacionados ao suicídio, como insônia, ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático, estão presentes no Brasil. O pesquisador comenta que através de um estudo sobre a vitimização e a saúde mental de policiais identificou alguns fatores de riscos, incluindo: estrutura rígida e burocrática sem padronização, transtorno de estresse pós-traumático, uso de álcool e outras drogas, e o uso de armas de fogo.
“O superendividamento, como mencionado anteriormente, também foi identificado, e o assédio de bancos para expandir o uso de crédito. Outros fatores de risco incluem divórcio, trabalhos por plantão e a necessidade de tomar decisões sob pressão, além da jornada extensiva sem descanso adequado, o que pode agravar ainda mais a situação”, aponta José Ferdinando.
Assinatura de Acordos de Cooperação Técnica
Com o intuito de fortalecer e reforçar o compromisso da Fundacentro com a melhoria contínua das condições de trabalho no Brasil, o diretor de Pesquisa Aplicada – DPA, Rogério Bezerra, informa que o envolvimento de parceiros em prol da saúde do trabalhador e da trabalhadora busca fomentar o intercâmbio de conhecimentos, compartilhar boas práticas e desenvolver projetos conjuntos que contribuam para a prevenção de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.
Participaram da celebração Rogério Bezerra; Marcelo Kimati Dias, assessor da presidência da Fundacentro; Ana Paula Guljor, presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental e Atenção Psicossocial; Juliana Delbone Conci, coordenadora da prefeitura municipal de Erechim-RS; Fernanda Moura Miranda, professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Paraná - UFPR; Rodrigo Célio de Castro, presidente do conselho do Instituto Célio de Castro; Tânia Araújo, professora da Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS; Luís Felipe Ferro, professor da Universidade Federal do Paraná, Tatiana Demove, professora da Universidade Federal de Santa Maria – RS.
Assista às apresentações no canal da Fundacentro no Youtube .
Foto: Assessoria
Sofrimento mental, vulnerabilidades entre trabalhadores da saúde
A questão do sofrimento mental entre os trabalhadores da saúde tem sido cada vez mais debatida, sobretudo devido à sua exposição constante a situações de estresse e pressão elevada. Para debater sobre o “Sofrimento mental, vulnerabilidades entre trabalhadores da saúde” , Ana Rubia Wolf Gomes, tecnologista da Fundacentro, fez a coordenação da mesa composta por Rogério Giannini, do Sindicato dos Psicólogos de São Paulo; Ana Paula Guljor, da Associação Brasileira de Saúde Mental e do Conselho Nacional de Saúde; Elaine Cristina Marqueze, do Programa Paul Singer de Economia Popular e Solidária, e Fernanda Magano, do Conselho Nacional de Saúde – CNS.
Ao falar dos profissionais da saúde, os especialistas enfatizam que essa categoria está sujeito ao estresse, à ansiedade, à depressão e ao burnout, devido a fatores como jornadas de trabalho intensas, demandas emocionais elevadas, exposição à morte e ao sofrimento humano, além de condições de trabalho precárias em alguns casos.
Ana Paula Guljor informa que o sofrimento dos trabalhadores de saúde é diferente em cada categoria. “O sofrimento vivido por um técnico de enfermagem durante a pandemia era imediato e físico, enquanto outros profissionais, como eu, que sou psiquiatra, conseguiam atender on-line. Essa diferença de experiência está ligada também à disparidade salarial entre os diferentes profissionais de saúde, o que impacta diretamente no cuidado e na saúde mental”, esclarece.
Completa que é necessário refletir sobre as condições de trabalho nas redes de atenção psicossocial, especialmente após a pandemia. “Tenho visto a fragilidade dessas redes, com demissões e a rotatividade de profissionais, o que gera insegurança e sofrimento. A troca constante de profissionais dificulta a construção de vínculos e o acolhimento adequado das pessoas em situações de vulnerabilidade”, ressalta.
“É fundamental compreender que o sofrimento é resultado de fatores coletivos e que a solução não pode ser simplesmente a individualização do tratamento. Não podemos resolver a questão da depressão apenas aumentando o número de psicólogos e psiquiatras, enquanto as condições de trabalho e a valorização dos profissionais continuam precárias”, reforça Guljor.
A conferência de encerramento contou com a participação de Tarcísio de Figueiredo Palma, do Observatório Nacional de Saúde Mental e Trabalho, de Marcelo Célio de Lima, do Instituto Célio de Castro, e do diretor da DPA, Rogério Bezerra.
O seminário completo está disponível no canal da Fundacentro no YouTube .