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Opinião Sexta-feira, 21 de Fevereiro de 2025, 14:30 - A | A

21 de Fevereiro de 2025, 14h:30 A- A+

Opinião / PSICÓLOGA MARLUCE MARTINS

Quem cuida de quem cuida?

Estudo sobre o cuidado mental de profissionais de saúde

O texto a seguir é assinado pela psicóloga Marluce Martins da Mata, e surge das vivências da especialista com profissionais da saúde do Rio Grande do Sul que estiveram na linha de frente do desastre ambiental, ocorrido há quase um ano. Marluce aborda reflexões sobre a atenção psicológica prestada aos agentes da saúde e os desafios para a garantia da saúde mental de trabalhadores. Para as discussões, a base é o projeto “Cuidar de quem cuida”, iniciativa da organização social de saúde SAS Brasil com foco no acolhimento de médicos, profissionais da enfermagem e agentes de saúde comunitário das regiões afetadas pelas inundações.

Quando milhões de famílias gaúchas precisaram deixar seus lares para sobreviver, alguns agentes sociais escolheram ficar para salvar vidas em meio a uma tragédia já anunciada pela natureza. Considerada a pior catástrofe ambiental do Rio Grande do Sul até hoje, as enchentes e deslizamentos de terra alcançaram aproximadamente 16.126 km². Nesse trajeto marcado por rastros de lama e lágrimas, centenas de profissionais da saúde trilharam caminhos exaustivos na esperança de reconstruir sonhos destruídos. Ao longo de meses, médicos, enfermeiros, técnicos em enfermagem e agentes comunitários de saúde estiveram na linha de frente do alcance das populações atingidas pelas fortes chuvas. Diante deste cenário, a organização social em saúde SAS Brasil passou a mapear estratégias em prol do bem-estar destes agentes sociais, criando assim o “Cuidar de quem cuida”, projeto que abraçou e ouviu 227 profissionais da saúde do estado.

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Enquanto coordenadora de saúde mental da organização social, o contato com as pessoas atendidas foi essencial para entender as necessidades e observar os desafios da profissão naquele contexto. Grande parte das histórias tinham resquícios de medo e frustração, sentimentos compreensíveis em face da calamidade. Junto a isso, a missão heroica do setor, comumente romantizada pela sociedade, afetou a saúde mental desses agentes, que passaram a dedicar cuidado aos seus conterrâneos, porém, deixaram a própria saúde psicológica de lado.

Contar emoções e tribulações por muito tempo está atrelado à ideia de “ser humano forte”, por isso, para desconstruir essa ideia, o cuidado a quem cuida começou na escuta. Mediante rodas de conversa, as equipes passaram a se ouvir, construir ligações e aliviar as frustrações dia após dia, sempre depois de cada turno de trabalho. Por meio dessa atividade, temáticas importantes como a autossabotagem e o adoecimento existencial foram abordados de acordo com cada depoimento, visando o ensino do autocuidado múltiplo e transversal.

“Participar desses momentos transformou minha vida profissional e também pessoal. Senti que, mesmo em meio ao caos, eu consegui ter momentos para respirar e me conectar comigo e com os meus colegas.”
Relato anônimo de uma das profissionais de saúde acolhidas.

Investir no cuidado mental é, em muitos casos, irrelevante para os empregadores. Diversos fatores implicam para esse conceito social, desde a ignorância à falta de políticas públicas em saúde mental para trabalhadores. Contudo, a saúde mental de colaboradores para o gerenciamento e conclusão das tarefas é primordial, já que afeta diretamente a capacidade de pensar claramente, tomar decisões, manter o foco e administrar o estresse.

Promover atenção em saúde mental aos funcionários ultrapassa a valorização e o reconhecimento do profissional, esta ação representa também a ética e o compromisso social das empresas. Ao garantir exercícios que estimulem o bem-estar mental do colaborador, a instituição apresenta para seus investidores não apenas um perfil empático, mas também interessado em proporcionar um ambiente saudável de ponta a ponta.

Um levantamento realizado pelo Instituto Philos Org reuniu os 100 maiores grupos empresariais do Brasil para avaliar o nível de promoção à saúde mental oferecido aos seus funcionários. A amostra abrangeu cerca de 3 milhões de empregados e empresas com faturamento conjunto próximo a 5 trilhões de reais. Através do estudo, o Instituto revelou como as empresas têm lidado com essa questão, além de destacar os benefícios de investir no cuidado com a saúde mental dos colaboradores, chegando a contribuir positivamente na produtividade, engajamento e clima organizacional.

“Consegui me conectar com terapeutas através do programa de saúde mental na empresa em que trabalho quando ainda era estagiária pela própria plataforma da empresa, tudo muito flexível [...] Por pensar no contexto corporativo e na própria ansiedade de estudante, eu já tinha interesse em trabalhar minhas emoções, mas a condição financeira me limitava, então foi o meu trabalho que possibilitou isso [...] Esse cuidado foi além do meu financeiro, afetou positivamente no meu lazer e na minha produtividade dentro e fora da empresa”.

Relato de Jéssica Belo, funcionária de uma das dez melhores empresas do Anuário Saúde Mental nas Empresas 2024.

Seja em momentos extremos, como os enfrentados no Rio Grande do Sul, ou em situações cotidianas, as frustrações e angústias fazem parte do cotidiano dos profissionais, cada uma manifestando-se de forma distinta. Essas vivências, oriundas tanto de calamidades quanto de rotinas desafiadoras, evidenciam a necessidade de um cuidado emocional contínuo, e não apenas circunstancial, para garantir o bem-estar daqueles que dedicam suas vidas a cuidar do próximo.

Diante desse aprendizado empírico, o Grupo SAS decidiu expandir o projeto “Cuidar de quem cuida” para além dos contextos trágicos, alcançando todas as organizações que compõem a instituição: SAS Brasil, SAS Smart, MuSAS e aSAS. A iniciativa buscou implementar ações regulares de suporte emocional e mental para colaboradores, voluntários e incentivadores, promovendo uma cultura de fortalecimento emocional no dia a dia das operações. Essa abordagem reconhece a importância do cuidado integral e preventivo, afastando-se da visão limitada a situações extremas.

Com a ampliação do projeto, foi possível proporcionar acesso à saúde mental para um número significativo de funcionários de maneira simultânea. Além de gerar impactos positivos no bem-estar individual, essa ação refletiu diretamente no desempenho das equipes, aprimorando a execução das tarefas e fortalecendo os resultados organizacionais. Assim, o cuidado mental tornou-se uma estratégia central para consolidar o compromisso ético e social do Grupo SAS.

“O bem-estar de cada colaborador e voluntário é essencial para realizar a missão da SAS Brasil, que é acolher comunidades com carência em saúde pelo Brasil. E, como cuidar do outro sem cuidar de nós mesmos? Por isso, passamos a oferecer os atendimentos em saúde mental como uma responsabilidade social e ética da organização [...] Consequentemente, percebemos que, além da qualidade de vida, houve uma evolução significativa na eficiência operacional”. Sabine Zink, CEO do Grupo SAS.

Ao longo da vida, os trabalhadores que se dedicam ao cuidado do próximo frequentemente deixam suas próprias necessidades em segundo plano. Esses profissionais carregam o peso das histórias que cruzam seus caminhos, oferecendo empatia, dedicação e resiliência mesmo diante dos cenários mais adversos. O papel que desempenham vai além de suas funções; são fios de esperança em tempos difíceis e alicerces para a reconstrução de vidas e sonhos.

Entender e promover o cuidado mental dessas pessoas é reconhecer que o bem-estar delas não é apenas um ato de empatia, mas uma responsabilidade ética e social. Ao fortalecê-los emocionalmente, dar-se-á não só melhores condições de trabalho, mas também reafirma-se o valor da vida humana. É por meio do suporte contínuo que se cria um ciclo virtuoso de acolhimento, no qual a humanidade de quem cuida é finalmente colocada no centro.
Contudo, essa reflexão levanta uma questão que permanece: diante de tantas vidas transformadas por esses cuidadores, quem está cuidando deles? Quem cuida de quem cuida? Essa é a pergunta que todos nós, enquanto sociedade, precisamos responder.

Escrito por Julia Batista e Marluce Martins

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