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Política e Eleições / ECONOMIA DIGITAL

Unesco oferece recomendações para regulação da IA e transformação em leis nacionais

Tawfic Jelassi, diretor da Unesco, fala sobre liberdade de mídia, alfabetização informacional, segurança de jornalistas e combate à desinformação com a iniciativa "Internet for Trust"

ELISA RIBEIRO
DA REDAÇÃO

O tunisiano Tawfic Jelassi, diretor-geral adjunto para comunicação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), participa da reunião do Grupo de Trabalho de Economia Digital em Maceió.

Em entrevista ao site G20 Brasil, Jelassi destacou o compromisso da Unesco em apoiar o Brasil na promoção da integridade da informação, uma questão também abordada nas discussões da COP 30. Entre as principais iniciativas da Unesco, estão o projeto "Internet for Trust", que a visa combater a desinformação e as deep fakes, e o trabalho sobre ética na Inteligência Artificial, que busca garantir práticas responsáveis.

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Jelassi também abordou a transformação digital, que vai além da simples digitalização. Segundo ele, a colaboração entre o G20 e a Unesco reflete um compromisso global com a integridade da informação e a promoção de um ambiente digital inclusivo e ético. Leia a entrevista completa.

Como a Unesco está apoiando a presidência brasileira do G20?

Estamos colaborando ativamente com a presidência brasileira do G20. Um dos temas centrais colocados em pauta é a integridade da informação, que está diretamente relacionada ao combate à desinformação. O governo brasileiro anunciou uma nova iniciativa global focada na integridade da informação, com especial atenção às mudanças climáticas. Isso não só está conectado ao atual G20, mas também à 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), que acontecerá no Brasil em 2025. A Unesco está fortemente envolvida e apoiando o Brasil nesse esforço.

Quais são os principais tópicos tratados no setor de comunicação e informação da Unesco?

A Unesco trabalha com vários temas importantes no setor de comunicação e informação. Entre eles estão a liberdade de mídia, o desenvolvimento da mídia, a alfabetização informacional, a transformação digital, o acesso à informação pública e a segurança de jornalistas. O ponto comum entre essas agendas é o fluxo informacional. A informação precisa ser compartilhada, disseminada e comunicada. Hoje, isso acontece principalmente pela internet, plataformas digitais e redes sociais. Desde a fundação da Unesco, há 80 anos, a promoção do livre fluxo de informações é um de nossos pilares, conforme está na Constituição da Unesco.

A informação factual, checada e objetiva é fundamental para promover o diálogo intercultural e o entendimento mútuo entre povos e nações, sendo, portanto, um elemento central para promover a paz. Essa missão é cumprida através da educação, ciência, cultura e, claro, comunicação e informação.

A desinformação é um grande desafio atualmente. Como a Unesco está lidando com isso?

Um dos grandes temas que a Unesco vem abordando é o combate à desinformação e ao discurso de ódio. A Unesco lançou a iniciativa "Internet for Trust", que busca garantir que a internet seja um ambiente de confiança. Essa iniciativa trata de questões como a disseminação de desinformação e as chamadas deep fakes, que têm ganhado força com o uso da Inteligência Artificial (IA). Há uma distinção importante entre desinformação e informação errada. A desinformação ocorre quando há intenção deliberada de espalhar mentiras, enquanto informação errada é quando uma informação incorreta é compartilhada sem a intenção de enganar. Ambas precisam ser combatidas, especialmente quando afetam temas críticos como as mudanças climáticas, um tópico central nas discussões do G20.

A Unesco também tem trabalhado com questões éticas relacionadas à Inteligência Artificial. Quais são os avanços nesse campo?

A Unesco começou a trabalhar no tema da ética na IA muito antes dos atuais debates acelerados por tecnologias como o ChatGPT. Em 2018, a Unesco aprovou o primeiro instrumento normativo global sobre ética na IA. Essa recomendação, que agora conta com o apoio de 194 países membros, guia o uso responsável da IA em várias esferas. Hoje, estamos apoiando mais de 60 países na implementação dessa recomendação. Além disso, fornecemos uma "caixa de ferramentas" para ajudar os países a avaliar seu nível de prontidão para a aplicação ética da IA. Essa abordagem prática é fundamental para garantir que o documento não fique apenas no papel, mas seja realmente implementado.

Como a transformação digital está impactando o trabalho da Unesco?

A transformação digital é um tema de alta relevância para a Unesco e para o G20. Ela não se limita à digitalização de documentos, mas envolve a reformulação de processos inteiros. Por exemplo, na área da saúde, a telemedicina está reformulando a prática médica, e na educação, os professores precisam repensar suas metodologias de ensino. Além disso, a transformação digital também afeta os governos e o setor privado, que precisam adaptar suas operações para garantir que o acesso à informação seja amplo e eficaz. A Unesco está liderando esse processo, fornecendo ferramentas e quadros normativos para auxiliar governos e organizações a se adaptarem à nova realidade digital.

O senhor mencionou a importância da transformação digital em serviços públicos. Poderia nos explicar mais sobre essa transformação?

A transformação digital é mais do que apenas digitalizar documentos ou processos específicos, como a emissão de passaportes. Trata-se de garantir que todos os serviços públicos estejam acessíveis por meio de plataformas digitais, como aplicativos, para que os cidadãos possam realizar suas interações com o governo a qualquer momento. O objetivo é reduzir a necessidade de comparecer fisicamente às repartições públicas e oferecer um portal permanente para o acesso a esses serviços. 

O senhor acredita que estamos realmente avançando para essa transformação digital ou estamos apenas digitalizando documentos?

Frequentemente, quando falo com líderes políticos ou empresariais, há uma confusão entre a digitalização de documentos e a transformação digital. A verdadeira transformação digital vai além da simples conversão de documentos físicos em digitais. É uma reestruturação completa dos processos administrativos para que eles funcionem de maneira integrada e digital. É essencial que os líderes se perguntem em que fase desse processo estão: digitalizando documentos, transformando alguns processos, ou realmente reestruturando tudo digitalmente.

Em termos de acessibilidade, há muitos desafios, especialmente para comunidades que utilizam línguas de sinais, como a Libras no Brasil. Como o G20 e a Unesco estão lidando com essa questão?

A Unesco considera a acessibilidade um tema de extrema importância. Atualmente, há cerca de 120 a 130 línguas disponíveis no ambiente digital, mas sabemos que existem cerca de 8.000 línguas faladas no mundo. Há um enorme déficit no acesso ao conteúdo digital, especialmente para comunidades que usam línguas minoritárias ou de sinais. Em relação às línguas de sinais, como a Libras, é essencial garantir que o conteúdo esteja disponível em formatos acessíveis. A Unesco tem trabalhado com governos para promover a inclusão digital e reduzir a lacuna digital.

Quais são os esforços da Unesco para apoiar as línguas indígenas e outras línguas minoritárias no espaço digital?

A Unesco lançou recentemente o Atlas Mundial das Línguas, uma ferramenta que mapeia as línguas faladas no mundo, incluindo as indígenas. Além disso, estamos na Década Internacional das Línguas Indígenas (2022-2032), uma iniciativa das Nações Unidas com o objetivo de fortalecer essas línguas, incluindo no ambiente digital.


Recentemente, me encontrei com a ministra brasileira dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, para discutir o fortalecimento das línguas indígenas no Brasil. A inclusão digital dessas comunidades é um passo essencial para a preservação cultural e o desenvolvimento socioeconômico.


E o que dizer sobre a inclusão de pessoas com deficiência no espaço digital?

A inclusão digital vai muito além do acesso à tecnologia. Trata-se de garantir que o conteúdo esteja disponível em formatos acessíveis para todos, incluindo pessoas com deficiência. A Unesco vê isso como uma questão de direitos humanos. Não ter o conteúdo disponível em formatos acessíveis é inaceitável. Trabalhamos para garantir que a tecnologia seja aberta e acessível, promovendo a inclusão total no espaço digital.

Poderia compartilhar alguma experiência marcante sobre o impacto da inclusão digital?

Uma das experiências mais marcantes da minha carreira foi quando, como ministro na Tunísia, conectei um povoado remoto à internet pela primeira vez. Os jovens choravam de emoção ao finalmente terem acesso à internet, algo que eles só haviam ouvido falar. A conexão transformou suas vidas, permitindo que eles tivessem acesso a educação e outros serviços. Esse tipo de transformação é o que buscamos com a inclusão digital.

O senhor mencionou a expansão da conexão digital, mas gostaria de abordar a questão da qualidade da informação que circula na internet. Produtores de conteúdo e jornalistas são frequentemente ameaçados, principalmente em zonas de desertos de mídia. Como a Unesco visa promover a segurança dos jornalistas e garantir a qualidade da informação?

A Unesco tem se dedicado, nos últimos 30 anos, a desenvolver políticas que promovam a liberdade de expressão e a segurança dos jornalistas. Somos a agência líder das Nações Unidas na implementação do plano para a segurança dos jornalistas e no combate à impunidade. Temos um observatório que monitora crimes contra profissionais da imprensa, não apenas para coletar estatísticas, mas também para acompanhar o andamento judicial desses crimes. A segurança dos jornalistas está intimamente ligada à luta contra a impunidade. Além disso, destacamos a importância do jornalismo e da liberdade de expressão para a sociedade. 

Sobre a qualidade da informação no ambiente digital, no ano passado, a Unesco lançou diretrizes sobre governança e regulação das plataformas digitais, abordando o papel do jornalismo e de outros produtores de conteúdo. O desafio atual é fortalecer os jornalistas nesse novo ecossistema digital, onde todos podem publicar. A Unesco oferece capacitação e promove a luta contra problemas como o cyberbullying, desinformação e discurso de ódio.

Com a ascensão das plataformas digitais e o fechamento de veículos tradicionais, como o G20 e a Unesco veem a regulação dessas plataformas para garantir a sustentabilidade do jornalismo?

Esse é um tema central. A Unesco tem feito estudos para mapear o fluxo de anúncios publicitários que antes iam para os meios tradicionais e agora se concentram em duas grandes plataformas: Google e Meta. Criamos o programa de viabilidade econômica dos meios, que propõe recomendações para reverter esse processo, incluindo discussões sobre impostos que poderiam gerar receita para o jornalismo. No que diz respeito à regulação das plataformas digitais, a Unesco propõe diretrizes que os Estados podem adotar. Não temos poder regulador, mas oferecemos recomendações que podem ser transformadas em legislações nacionais. Nossa abordagem é semelhante àquela das leis de acesso à informação pública, que ajudamos a implementar em mais de 130 países.

Como a Unesco vê o uso da tecnologia para reduzir as desigualdades socioeconômicas, especialmente nas escolas públicas de países em desenvolvimento?

A tecnologia oferece oportunidades econômicas que podem ajudar a reduzir as desigualdades. Ela permite que indivíduos, mesmo em locais remotos, acessem mercados globais com um clique. Dou como exemplo o Mark Zuckerberg, que começou o Facebook como um repositório de dados para seus colegas de Harvard, e hoje sua empresa vale trilhões. Outro exemplo é Jeff Bezos, que começou vendendo livros online e hoje comanda a Amazon, uma gigante global. A tecnologia pode ser um catalisador para que países e empreendedores superem etapas e se desenvolvam mais rapidamente, criando novas oportunidades de trabalho e reduzindo as desigualdades.

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